Capítulo 2

Oito horas da manhã. Lyra já devia ter chegado, pensava o rapaz de cabelos brancos e olhos verdes. Ela tinha ido colher Apricorns bem cedo... 
 A pequena cidade de New Bark estava agradável como sempre. A luz do sol matutino batia na folhagem verde das árvores, criando uma paisagem linda. A mesma luz se refletia na rota marítima a leste da cidade, deixando a água brilhando como se pequenos cristais nadassem em sua sua superfície. Ao norte havia o laboratório do Professor Elm, que estava sempre disposto a entregar o primeiro Pokémon aos novos treinadores de Johto, embora não tivesse recebido nenhum visita no dia anterior e nem naquela manhã, por enquanto. Ao seu lado ficava a casa da senhora Silver, que morava sozinha desde que seu filho se mudara para Blackthorn. O albino chegou à cidade depois de sua partida, por isso não teve a chance de conhecê-lo, apenas ouviu falar sobre ele por meio de sua amiga, Lyra - a qual tratava como um irmão mais velho. A mesma morava na casa em frente à casa dos Silver e ao lado do "irmão".

 Enquanto isso, uma jovem saía correndo de Cherrygrove City, carregando uma cesta de Apricorns numa mão e um chapéu úmido na outra. Ao seu lado, seu fiel Chikorita fazia o possível para acompanhar o ritmo da treinadora. Chegaram à Rota 29, passando pelos Pokémons selvagens. Várias frutinhas caíram no caminho, mas foram pegas pelo Pokémon Folha. Só pararam de correr ao avistarem New Bark Town.

 Bastou vê-la entrando na cidade para o rapaz de cabelos brancos sair de casa correndo. Caminhou até ela com um sorriso de alívio.

 - Você demorou, Lyra. Fiquei preocupado!

 - Você é muito preocupado, Wess - respondeu Lyra. - Eu só me atrasei porque aquele guia de Cherrygrove insistiu em me mostrar o mar. Aí meu chapéu caiu na água e ele me fez ficar lá até que pudesse secá-lo. Mas ainda tá úmido...

 O garoto, Wess, não conseguiu segurar a risada até o final.

 - Cale a boca, seu malvado! - Gritou Lyra, apenas conseguindo causar mais risadas no amigo. - Rindo da desgraça dos outros, que coisa feia.

 - Não é bem uma desgraça - disse Wess. - É só um azar.

 - Que não é engraçado!

 Wess riu mais um pouco, até ver um rapaz entrando na pequena cidade às pressas. O boné preto com uma listra amarela quase era levado pelo vento, mas ele não parecia se importar tanto. Carregava um sorriso enorme de empolgação no rosto. Finalmente parou de correr, somente para gritar:

 - Eu voltei, New Bark!!

 E correu até a casa ao lado do laboratório.

 - Cara maluco - comentou o albino. - Quem será?

 Ele olhou para Lyra. A garota estava com as mãos na boca e parecia segurar as lágrimas de emoção. 

 - Lyra? 

 - Ele voltou - enfim disse. - O Nate voltou...

 Nate encontrou a porta de casa aberta e foi logo entrando. A televisão estava ligada, embora a única pessoa ali estivesse lendo, sentada à mesa.

 - Mãe?

 A mulher virou-se para o filho imediatamente correu para abraçá-lo, um abraço tão forte que pareceu sufocar o garoto. Ela se afastou para certificar-se de que era ele mesmo, os olhos brilhando de tanta alegria.

 - Oh meu Deus, Nate... Você voltou pra casa...

 Qualquer um poderia adivinhar que eram mãe e filho; Rebecca Silver tinha cabelos no tom preto-azulados, com uma mecha bem semelhante à do progenitor. Nate de certo puxara toda aquela empolgação do falecido pai, mas herdou a calma e a simpatia da mãe.

 - Bem... Mãe, você sabe que eu vou sair ainda hoje, certo?

 Rebecca suspirou. Era realmente difícil ver o filho voltar pra casa depois de três anos já sabendo que ele logo partiria novamente.

 - Eu sei... 

 - Ei, calma - disse Nate. - Eu vou ligar sempre. 

 Sua mãe o abraçou novamente. Por um segundo, Nate ficou decepcionado; ainda não ganharia sua desejada Pokégear. 

 - Já falou com a Lyra? - Perguntou a moça. - Ela sentiu muito a sua falta.

 Assim parece que ela quer me arrumar uma namorada, pensou Nate. Porém, mesmo com esse pensamento, não podia negar que também sentiu a falta de sua amiga de infância. Eles estavam sempre juntos desde bebês, mas a última vez que se viram foi aos sete anos, no dia da partida do garoto.

 O rapaz estava prestes a sair de casa quando considerou sua mãe. Eles mal haviam se falado, como já podia sair para procurar uma garota? Contudo, Rebecca assentiu, indicando que ele devia ir logo atrás da amiga. 

 - Então aquele é o tal Nate?

 Wess não escondeu a surpresa ao ver como aquele garoto que todos ao seu redor pareciam conhecer e gostar fosse daquele jeito. Imaginava um cara simpático e calmo, mas pelo que pôde ver, ele era mesmo um rapaz bem agitado e hiperativo.

 - Ele mesmo.

 Por sua vez, Lyra ainda não tinha tirado o sorriso do rosto desde que viu o amigo voltando para casa. Agora New Bark Town parecia estar completa novamente. Ambos certamente cresceram muito nesses três anos, que passaram bem devagar aos olhos de Lyra.

 Os dois amigos foram para a casa de Wess para comer algo enquanto o chapéu branco de laço vermelho secava naturalmente, recebendo o calor do sol através da janela da sala. Os Pokémon comiam ração no canto da sala, com direito à algumas Apricorns. Chikorita comia alegremente a saborosa ração, enquanto o pequeno macaco de pelagem roxa e com uma mão de três dedos na ponta da cauda se deliciava com as frutas. 

 O rapaz se levantou. Pegou seu cachecol vermelho e o colocou em tornou do pescoço, vestiu sua jaqueta preta e jogou a bolsa sobre o ombro. Aipom terminou de comer e subiu na cabeça do treinador.

 - O que você está fazendo? - Estranhou Lyra.

 - Já faz um tempo que eu quero explorar essa região, conquistar as insígnias... E aposto que esse tal Nate vai querer fazer o mesmo, considerando o que você me contou. Então algum dia, Lyra, eu o desafiarei para uma batalha. Provarei que posso ser melhor do que um aprendiz da Clair.

 Ah, só podia ser isso. Lyra sabia que seu amigo podia ser bem competitivo às vezes, e obviamente ficara desconfortável - talvez até enciumado? - vendo a garota tão feliz com a volta de Nate. 

 - Tudo bem. - A jovem também se levantou. - Então venha. Vou te apresentar à ele. 

 Nate não foi direto para a casa de Lyra. Pegaria seu primeiro Pokémon primeiro. 

 Os poucos cientistas que estavam no laboratório apenas o reconheceram como mais um jovem ansioso por seu primeiro parceiro. O Professor Elm deixou sua pesquisa de lado por um momento para atender o rapaz. Bastou ver seu boné para reconhecê-lo.

 - Nate?

 - E aí, Professor!

 Surpreso, Elm apertou a mão do garoto. Sua surpresa não era apenas por vê-lo de volta, e também por vê-lo tão alegre. Ele o viu pela última vez como um garotinho de sete anos sério e determinado, carregando um sentimento pesado demais para uma criança daquela idade, e que não combinava nem um pouco com ele: a tristeza.

 - É um prazer te ver, senti saudades, eu cresci mesmo, o senhor também, e tudo mais... Agora, cadê os inciais?

 - Garoto, você acabou de me chamar velho? 

 Nate começou a rir, pedindo desculpas no meio da gargalhada. 

 - O mesmo de sempre - comentou o Professor. - Bem Nate, eu posso te dar a Pokédex e cinco Pokébolas agora, mas...

 Elm contou-lhe que os três iniciais não estavam se dando muito bem ultimamente. Cyndaquil, o inicial do fogo, brigava constantemente com o inicial aquático, Totodile. Já o de grama tentava sempre fazê-los parar, sendo envolvido na briga também.

 - Certo... Professor, eu posso ver isso?

 O homem hesitou, porém, acabou liberando os três iniciais de suas Pokébolas. Surgiram três Pokémons, um semelhante à um rato, de pele azulada na parte de cima, um focinho longo e os olhos fechados, em suas costas havia algumas manchas vermelhas. Ao seu lado postou-se um pequeno Pokémon verde com alguns brotos em volta do pescoço, uma cabeça grande em relação ao corpo, na qual tinha uma folha no topo.  E por fim, um bípede parecido com um crocodilo azul, com espinhos nas costas e na cauda, dois dentes visíveis na mandíbula superior e duas fileiras de dentes no maxilar inferior.

 - Esses são os iniciais de Johto: do tipo fogo, Cyndaquil; do tipo grama, Chikorita; e do tipo água, Totodile.

 O rapaz ficou esperando. Totodile tomou um ar exibido, como se tivesse certeza de que seria escolhido. Cyndaquil não gostou nem um pouco disso, partindo para cima do outro Pokémon. Chikorita usou seu chicote de vinha para afastá-los, porém, o Pokémon de fogo o empurrou e atacou o Pokémon aquático. O mesmo o derrubou no chão com um Tackle. Entretanto, o Rato de Fogo levantou-se novamente, disposto a continuar batalhando.

 - Ele briga com todos os Totodiles - disse o Professor Elm. - Parece que ele insiste em mostrar que pode vencer de um tipo água. E por isso ele nunca é escolhido... Os treinadores iniciantes o consideram um grande idiota.  

 A batalha continuava no laboratório, com Totodile ainda em vantagem. Cyndaquil deixava claro que não iria desistir. Eles só pararam quando Nate ajoelhou-se diante do inicial de fogo e colocou a mão em sua cabeça.

 - Então você é idiota, né? - Cyndaquil baixou a cabeça ao ouvir isso, mas Nate sorriu. - Parece que vamos nos dar muito bem!

 O Cyndaquil levantou a cabeça novamente e apoiou as patinhas da frente nos joelhos de seu novo treinador. Totodile ficou visivelmente inconformado, enquanto Chikorita mais parecia aliviado; não precisaria mais ficar no meio de uma briga.

 O rapaz recebeu cinco Pokébolas e sua Pokédex. Seu novo companheiro subiu em seu ombro e esfregou o focinho em seu rosto, demonstrando carinho e agradecimento por tê-lo escolhido. 

 - Boa sorte em sua jornada - desejou-lhe Elm. - Estarei torcendo por você.

 - Obrigado, Professor. Prometo que cuidarei bem do Leon!

 - Leon? Esse será seu apelido?

 - Sim. Gostou, amigão?

 Leon assentiu. O rapaz despediu-se do Professor e caminhou até a saída do laboratório.

 "Na próxima vez que nos encontrarmos, eu serei um treinador Pokémon!"

 Foi por meio dessa lembrança que Lyra adivinhou que seu amigo estaria no laboratório. Ficou no lado de fora ao lado de Wess, apenas esperando que ele saísse de lá. Após alguns minutos, ele saiu de lá com seu novo Cyndaquil no ombro, e parou assim que reconheceu a garota. Ambos sorriram, a jovem de cabelos castanhos presos em maria-chiquinhas com um chapéu branco em mãos e um Chikorita ao seu lado, o jovem ajeitando seu boné preto e amarelo carregando um  Cyndaquil no ombro.

 Ficaram em silêncio por alguns segundos, apenas sorrindo e se encarando, como se esperassem que alguém tirasse uma foto. 

 Lyra não pôde resistir. Avançou para abraçar o amigo de infância e foi correspondida. Wess ficou apenas observando o abraço caloroso dos dois, um abraço para matar as saudades e preencher o vazio de três anos sem o melhor amigo. Nate apenas notou Wess ao afastar-se de Lyra.

 - Quem é ele?

 - Nate, esse é Wess Clover, meu amigo. Ele chegou aqui depois de sua saída. Wess, esse é o tão conhecido Nate Silver.

 O albino apressou-se em estender a mãe, mas o outro rapaz apenas fez cócegas na barriga da amiga.

 - Ficou falando de mim por aí?

 - Idiota - disse ela, com uma risada sem graça. - Vai ficar aqui na cidade agora?

 - Tá maluca? É claro que não.

 Lyra substituiu o sorriso por uma expressão triste. Wess arqueou uma sobrancelha, fazendo o possível para mostrar seu desapontamento. Como ele poderia simplesmente dizer que sairia da cidade logo após sua volta? Era o cúmulo da insensibilidade.

 Nate pediu licença para ir se despedir de sua mãe. Assim que ele entrou em casa, Lyra apoiou a cabeça no ombro do rapaz de cabelos brancos, que logo tratou de lhe dar um abraço. 

 O rapaz de cabelos negros entrou em casa e seu Pokémon imediatamente desceu de seu ombro, querendo conhecer o local. A televisão havia sido desligada e sua mãe o esperava carregando uma pequena embalagem. 

 - Feliz aniversário, filho. Hoje é seu grande dia...

 Nate pegou e abriu seu presente. Lá dentro havia uma espécie de relógio azul com detalhes brancos. Era um Pokégear, que servia como um relógio, telefone, mapa e rádio. O rapaz estava festejando por dentro, mas achou melhor ser mais delicado no momento.

 - Nossa, mãe... Isso custa caro, não precisava gastar seu dinheiro comigo...

 - Ora, Nate, quem você acha que engana?

 Era verdade. Ele gaguejou, mas realmente era impossível esconder a animação.

  - Uma Pokégear! Caraca, mãe, eu pensei que começaria minha jornada sem uma dessas! Valeu mesmo! 

 Rebecca beijou sua testa e penteou sua franja com os dedos. Mal podia acreditar que seu filho iria embora novamente. Entretanto, não podia obrigá-lo a ficar ali. Tinha que deixá-lo seguir seu rumo, ir atrás de seus sonhos. Não seria uma mãe de verdade se não torcesse por ele.

 - Lembre-se de começar com o pé direito.

 - Com certeza. - Dito isso, ele procurou por seu Pokémon e o achou deitado no sofá da sala. - Vamos, Leon!

 O Cyndaquil desceu do móvel e subiu em seu ombro, tendo o focinho acariciado pela mãe de seu treinador.

 - Cuide bem dele.

 - Vou cuidar.

 A mulher riu.

 - Estava falando com o Leon.

 Até mesmo o Pokémon riu com a cara emburrada de Nate. Como sempre, ele não pôde manter aquela feição por muito tempo e acabou caindo na risada também.

 - Seu amigo é um cara bem insensível - disse Wess.

 Os dois sentaram-se em cima das cercas da varanda da casa de Wess. Lyra abraçava seu Chikorita em seu colo, já Aipom permanecia na cabeça do dono. 

 - Foi tão estranho... O Nate não era assim... 

 - Ele deve ter mudado nesse tempo que viveu em Blackthorn.

 Era isso o ela mais temia. Definitivamente não queria que o rapaz mudasse por morar em outra cidade e se tornar o aprendiz da mais forte líder de ginásio de Johto. 

 - D-desculpe, não devia ter dito isso.

 - Sem problemas.

 Eles permaneceram em silêncio, sem saber ao certo o que dizer. Aquela calmaria acabou em minutos, quando pôde-se ouvir um garoto gritando ao longe. Os dois viraram-se para trás e viram Nate correndo naquela direção.

 - Lyra!

 - Ah, veio para se despedir direito - resmungou o do cachecol. 

 Nate parou na frente de Lyra. Estendeu sua mão, deixando-a confusa.

 - Eu não vou me despedir, não porque ficarei em New Bark, e sim porque quero que você venha comigo. Você é minha melhor amiga, Lyra, e eu jurei que você ainda me veria como um grande treinador. Mas preciso que esteja ao meu lado para que eu cresça direito... E também quero que me veja crescer. 

 Ambos já estavam vermelhos de vergonha àquela altura.

 - Não posso sair daqui sem minha melhor amiga. Não outra vez.

 A jovem desceu da cerca, segurando seu Pokémon nos braços. Sem hesitar, segurou a mão de Nate, que abriu um grande sorriso. Ele apertou sua mão e começou a correr em direção à saída da cidade, o vento levando seu boné.

 - Espera! Tenho que pegar minha bolsa!